sábado, 26 de novembro de 2016

FEBECONAPA - Luvas

Paulo Werneck

Breakfast at Tiffany's with Audrey Hepburn

Há muito tempo deixou de ser dada publicidade ao Festival de Besteiras que Assola o País (FEBEAPA), por não mais estar entre nós o saudoso Stanislaw Ponte Preta.

Todavia, o fato do escrivão ter passado desta para melhor não impediu que as besteiras continuassem sendo produzidas aos borbotões, faltando apenas um escriba para lhes dar a devida publicidade.

Sei que não estou à altura da ponderosa missão, mas à falta de quem a assuma, procurei fazer os meus melhores esforços para ocupar esse vazio, publicando, de vez em quando, algumas besteiras das que mereçam ser registradas no Festival de Besteiras que Continuam Assolando o País (FEBECONAPA),

Para abrir tão importante festival, uma pseudo conquista da higiene: as luvas.

Como qualquer mortal pode verificar, padeiros, cozinheiros e até mesmo vendedores de comida estão usando luvas, por determinação parece-me da Vigilância (?) Sanitária e de fregueses preocupados com a própria saúde, que procuram evitar contaminação.

Certamente nem uns nem outros seguiram o exemplo de minha sábia progenitora, que considerava um pouquinho de sujeira como necessário ao desenvolvimento de anticorpos, ao ponto de a batizar com o sonoro apelido de Vitamina S,

Voltemos às luvas: para que servem elas? A quem elas protegem?

Certamente aos que as utilizam. A enfermeira, ao vestir a luva, não está protegendo a saúde do paciente, mas a dela própria, para não ser contaminada por nenhuma secreção contagiosa do paciente.

Um lixeiro, ao utilizar as luvas, está se protegendo, de forma semelhante, de ser contaminado por algum resíduo que possa estar no lixo que recolhe, além, é claro, de evitar sujar excessivamente suas mãos.

E o padeiro? Estaria se protegendo de alguma substância contaminante do pão fresquinho e cheiroso que acabou de fazer, e que os clientes irão ingerir? Certamente que não. Estaria ele protegendo os cliente da sua própria contaminação? Também não, afinal ele deverá lavar regularmente as mãos com água e sabão, como determinam as normas de higiente para profissionais do fogão.

Não protege ninguém de nada. Com aquela luva ele toca em tudo que está na padaria, levando eventuais agentes infecciosos (que não devem existir, estando a cozinha devidamente limpa) de um lado para outro,enquanto as mãos do trabalhador ficam desconfortavelmente quentes e húmidas, o ambiente mais propício para a proliferação de bactérias...

Diga, Stanislaw, essa besteira foi suficientemente idiota para inaugurar o novo festival?

sábado, 19 de novembro de 2016

O Fim do Direito

Paulo Werneck

Quadraro: Morte da Justiça
Fonte: quadraro.deviantart.com

Quando um juiz, um promotor ou um policial infringe a lei, ele torna-se passível de punição, a ser avaliada em um julgamento administrativo ou judicial, no qual deveria ser levada em consideração a existência de dolo e demais fatores relevantes ao caso. O ilícito, em princípio, é de menor importância - errar é humano. Não somos perfeitos.

Todavia quando há uma sequência de erros na mesma direção, quando juízes, promotores, procuradores ou policiais sistematicamente ultrapassam os limites do Direito alegando defender a Justiça, pior, quando os meios de comunicação e os cidadãos passam a ver esses desvios de conduta como fatos normais e positivos, estamos frente ao fim do Direito, estamos caminhando para a barbárie.

Não defendo o roubo. Mas entre um ladrão (ou melhor, um suspeito de ser um ladrão) e um policial que o algema a uma lata de lixo (como ocorreu recentemente) minha indignação se volta antes contra o policial que cometeu esse abuso que contra o próprio ladrão.

O caso é que o policial deveria estar defendendo a lei, é pago pela sociedade para defender a lei, passou em um concurso onde teve que mostrar que conhecia a lei. Mas mesmo tendo o dever de defender a lei, mesmo sendo pago para defender a lei, mesmo tendo demonstrado que conhece a lei, desobedece a lei assim como o ladrão. Os dois desobedecem a lei. Não podemos bater palmas para nenhum dos dois.

Uma pessoa que concorda com o tratamento degradante cometido pelo policial contra o ladrão, está fazendo apologia da ilegalidade, pois o ordenamento jurídico brasileiro não prevê tal pena aos bandidos, e mesmo as penas só podem ser aplicadas em sentença proferida após o devido processo legal, que, por óbvio ainda não ocorreu.

Não poucas vezes a prisão se dá de forma espetaculosa, mas a autoridade policial faz uma coleta de provas mais que deficiente, o que propicia depois a não condenação do preso, em detrimento da Justiça.

No campo político, estamos assistindo a um espetáculo circense, pessoas sendo presas por razões estapafúrdias, conduzidas sob forte aparato policial, eventualmente retiradas de hospitais, condenadas de plano pela imprensa, desonradas sem dó nem piedade.

Podem ser culpadas? Claro que podem. Existem indícios pesados contra algumas? Existem. Foram julgadas e condenadas? Não. Muitas vezes nem a petição inicial foi apresentada.

Mas parece que parte da população está aplaudindo ao ver seja os políticos que desaprovam, seja qualquer político (afinal nenhum presta, pensam) sendo achincalhados e batem palmas.

Qual a diferença da situação atual para o Terror da Revolução Francesa, salvo que a guilhotina não está em funcionamento?

Tristes tempos em que as pessoas são condenadas antes de serem julgadas, e em que pessoas comemoram a prisão de outras, até com fogos de artifício. Podemos (e devemos) querer que os criminosos sejam punidos, mas não há o que comemorar com a prisão dos outros.

domingo, 27 de março de 2016

Análise Jurídica do Pedido de Impedimento da Presidente da República

Paulo Werneck

Fonte da Justiça (deusa romana) em Frankfurt
Fonte: Wikipedia

Muito se fala sobre a desejabilidade e a possibilidade de impedimento da Presidente da República. Todavia pouco se fala dos fatos que poderiam ensejar tal impedimento. Este artigo procura analisar se os fatos imputados à Presidente são passíveis de embasar tal punição.Inicialmente há que considerar o que está determinado pela Constituição Federal, a lei maior.

O impedimento será a consequência da condenação por cometimento do crime de responsabilidade, conforme o artigo 86.

O crime de responsabilidade está previsto no artigo 85:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Todavia seu parágrafo único estabelece que a definição desses crimes fica a cargo de lei especial, no caso a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, observando-se que, conforme o parágrafo 4º do artigo 86, o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

Da leitura dos dois artigos, portanto, fica claro que acusações à Presidente tendo como base eventuais decisões que tenha tomado referente à aquisições feitas pela Petrobras, por mais injustas que possam ter sido, se efetivamente o foram, não podem jamais ser consideradas como crimes de responsabilidade, não apenas porque teriam sido tomadas como membro do Conselho Diretor da Petrobrás, mas também porque não foram tomadas no exercício do seu mandato.

Resta agora verificar se existe alguma ação ou omissão da Presidente que possa caracterizar crime de responsabilidade, ou seja, se descrita na Lei nº 1.059/1950.

Antes porém cumpre ressaltar que a Constituição estabelece, como cláusula pétrea, que não há crime sem lei anterior que o defina (artigo 5º, inciso XXXIX). Assim, o comportamento dito como criminoso tem que estar especificado claramente na referida Lei nº 1.059/1950, que não pode ser ampliada para atender aos desejos de quem quer que seja.

As definições constam dos artigos 5º a 10 e 12. O artigo 11 refere-se a “crime contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos”, não mais capitulado como crime de responsabilidade pela atual Constituição, posterior a essa lei, e portanto não foi recepcionado pela Constituição de 1988, ou seja, não tem validade.

Quando à denúncia ofertada contra a Presidente da República, o cerne da acusação reside no parágrafo:
Os ora denunciantes, por óbvio, prefeririam que a Presidente da República tivesse condições de levar seu mandato a termo. No entanto, a situação se revela tão drástica e o comportamento da Chefe da nação se revela tão inadmissível, que alternativa não resta além de pedir a esta Câmara dos Deputados que autorize seja ela processada pelos crimes de responsabilidade previstos no artigo 85, incisos V, VI e VII, da Constituição Federal; nos artigos 4º., incisos V e VI; 9º. números 3 e 7; 10 números 6, 7, 8 e 9; e 11, número 3, da Lei 1.079/1950.
Daí se depreende que ela está sendo acusada de crimes contra a probidade na administração; a lei orçamentária; e o o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Examinemos um por um.
não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição (Lei 1.079, art. 9º, 3).
A Presidente é efetivamente responsável tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, mas apenas quando MANIFESTA a prática dos delitos.

Todos os servidores públicos da administração direta são indiretamente subordinados à Presidente da República, assim como ocorre nas empresas privadas, mas não pode o titular do cargo mais elevado acompanhar as ações de todos os servidores ou funcionários, havendo para isso uma estrutura hierárquica, com uma cadeia de chefia e subordinação, cada chefe responsável pelo controle das ações dos seus subordinados imediatos. Além disso as organizações recorrem a corregedorias, apoiadas por ouvidorias, com o duplo fim de permitir que as críticas sejam ouvidas e as ações delituosas punidas.

Carece a representação de indicar que condutas manifestas não foram responsabilizadas pela Presidente.
proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo (Lei 1.079, art. 9º, 7);
Nenhum caso foi elencado, salvo considerarem os autores da denúncia que o cometimento de outro crime tem o condão de tornar o agente também responsável por este.
ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal (Lei 1.079, art. 10, 6);

deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei (Lei 1.079, art. 10, 7);

deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro (Lei 1.079, art. 10, 8);

ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente (Lei 1.079, art. 10, 9)
Este conjunto de artigos foram invocados tendo como pressuposto que certas operações foram criminosas, por não previstas previamente no Orçamento, sem atentar para o fato que todas foram aceitos pelo Congresso Nacional, pela edição de leis orçamentárias que os tornaram legais, mesmo que eventualmente quando da autorização inicial estivessem não previstos pela legislação.
Não tenho conhecimento de Contabilidade nem de Finanças para adentrar uma discussão técnica sobre a caracterização de cada operação quanto à legalidade. Entretanto, mesmo que efetivamente tenham sido ilegais, deixaram de o ser por posteriores leis aprovadas pelo Congresso Nacional.

É basilar que legislação posterior é aplicada a fatos anteriores sempre que isso resulta em benefício para o réu. Não há como caracterizar como criminosas operações que se antes o fossem, lei posterior as tornou legais.

É o que está expresso no artigo 2º do Código Penal: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal (Lei 1.079, art. 11, 3).
Conforme já explicado acima, o artigo 11 não foi recepcionado pela Constituição Federal, eis que o artigo 85 não prevêr crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos.

Por óbvio, critérios como popularidade, pesquisas de opinião e que tais devem ser utilizados, sim, mas pelo eleitor quando for convocado às eleições. Tentar fazer apear da Presidência da República o seu ocupante eleito pela população por motivos falaciosos e interpretações fluidas é apenas GOLPE.

Fontes:

Constituição Federal:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1079.htm
Código Penal:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm
Íntegra da Denúncia:
http://www.zerohora.com.br/pdf/17802008.pdf