quinta-feira, 22 de maio de 2014

Arrogância, Ignorância e Desrespeito

Paulo Werneck

Um belo dia: assim começam as histórias, mas, nesta específica, o início é impróprio. Comecemos novamente.

Um mau dia, como fruto da aliança entre o Banco Itaú e a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, a Avenida Rui Barbosa foi espetada por um ponto de bicicletas.

Até aí nada de excepcional. Os cariocas já conhecem a iniciativa, em hipótese positiva, de serem colocadas bicicletas à disposição das pessoas, mesmo que apenas as pessoas digitalmente alfabetizadas e que possuem telefones com internet, porque esse é requisito sine qua non. Quem não tem telefone conectado na nuvem não pode usar as bicicletas.

Um outro problema é que as bicicletas podem ser utilizadas até as 22:00 horas mas não dispõem de faróis, itens obrigatórios pelo Código de Trânsito. Afinal de contas, qual o problema do prefeito tolerância zero fechar os olhos para essa ilegalidade? Bicicleta é tão cool, tão muderno...

Mas a questão, nesse caso, é outra. Vejamos a instalação:


Como podemos observar, apesar da largura da calçada, as bicicletas estão colocadas no asfalto, matando pelo menos duas vagas. Isso na frente do Parque Carmen Miranda, que dispõe de ampla área na entrada e vigilância dia e noite pela Guarda Municipal.

Alguma consulta à população? Claro que não. Porque cargas d'água o senhor prefeito iria se preocupar com os munícipes ou o Banco Itaú iria se preocupar com os clientes? Na rua faz mais propaganda...

Mas, infelizmente, não se trata apenas de duas vagas. Essas duas vagas estão nas proximidades do Hospital Fernandes Filgueiras, especializado em gestações complicadas e crianças com problemas sérios. Não é um hospital qualquer. É um hospital de referência que recebe gente de longe, todos os dias chegam ambulâncias ou vans com pacientes vindos de municípios distantes.


A segunda foto, tirada em dia de quase nenhum movimento, mostra o hospital à esquerda, uma ambulância verde ocupando a vaga reservada ao consulado da Bolívia, dois carros em fila dupla com as bicicletas, um de Saquarema. Em dias normais, estaríamos vendo duas ou três ambulâncias, outro tanto de vans, mas os carros particulares, grande parte velhos e caídos, trazendo os pacientes sabe-se lá de que cantão.

O telefone 1746 inicialmente tentou rebarbar a reclamação, dizendo que não era com eles. A reclamação deveria ser feita ao Itaú. Mas não foi possível resistir ao argumento de que a rua é da jurisdição da prefeitura, de modo que no dia 15 de maio foi protocolizada a reclamação número RIO-6347680-0, até agora sem resposta ou solução.

Quanto a mim, não tenho carro e, consequentemente, não preciso de vaga. Também não ando de bicicleta, veículo perigoso no trânsito desgovernado do Rio. Quanto à prefeitura e ao Itaú, carecem de respeito pelos munícipes e clientes, para não falar de inteligência, que passou ao largo...

sábado, 17 de maio de 2014

Gentrificação do Futebol

Paulo Werneck

Maracanã em 1950

Gentrificação é uma palavra esquisita, que eu não conhecia, e da qual só tomei conhecimento há pouco tempo. Para quem não sabe, gentrificação significa, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa,
Processo de valorização imobiliária de uma zona urbana, geralmente acompanhada da deslocação dos residentes com menor poder econômico para outro local e da entrada de residentes com maior poder econômico.
Não posso literalmente falar de gentrificação do futebol, pois futebol não é imóvel, pelo contrário... Mas está ocorrendo o deslocamento de torcedores de menor poder econômico, substituídos torcedores de maior poder econômico ou, pior, por espectadores corporativos e lugares vazios.

A substituição por torcedores de maior poder econômico deve ser consequência direta da transformação do futebol em espetáculo e da maior profissionalização. Os jogadores no início eram amadores. Depois veio a profissionalização, e finalmente os salários milionários. Daí ao aumento do preço dos ingressos, as propagandas nos uniformes, os royalties pelo uso dos símbolos dos clubes. O aumento do preço dos ingressos expulsa os torcedores de baixa renda dos estádios.

Depois temos o padrão Fifa. No Maraca, na Copa de 1950, viram a derrota do Brasil para o Uruguai nada menos que 174.000 pessoas, segundo a Fifa, ou 199.854 espectadores, segundo O Globo. Hoje a capacidade do Maraca foi reduzida para 78.838, segundo o Consórcio Adminstrador, ou 73.531, segundo a Fifa. Se a Copa de 50 fosse hoje, no mínimo 100.000 pessoas ficariam de fora...

Finalmente, hoje uma parte dos ingressos não vão para os guichês, pois são comprados com antecedência pelas empresas patrocinadoras, que vão dar esses ingressos para quem bem entenderem, sejam clientes, fornecedores, sócios, funcionários, ou mesmo sorteá-los, como uma empresa multinacional de refrigerantes vai fazer. Será que os felizes ganhadores desses ingressos são efetivamente torcedores de futebol, será que sabem quais os uniformes dos times que entrarão em campo?

Com o afastamento dos verdadeiros torcedores dos estádios, agora denominados arenas (!!!), o que será do futebol?

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Quem será o próximo presidente?

Paulo Werneck

Urna eleitoral antigamente usada na Noruega
Fonte: wiki

Aproximam-se as eleições e com elas voltam as papagaiadas de quem repete o que ouviu, não sabe nem de quem, mas repete com a maior autoridade, obtida na Universidade do "Eu Acho".

O achismo talvez seja a doença infantil da Democracia. O fato de haver Liberdade de Expressão - parágrafo IV do artigo 5º da Constituição Federal,
É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
não faz com que dois mais dois sejam cinco, só porque alguém acha que são... Mas estou divagando. Foco.

As papagaiadas a que me refiro dizem respeito aos votos nulos e em branco, que teriam o condão de deixar a classe política em cheque e melar as eleições. Nada mais longe da verdade.

Repito: Quem será o próximo presidente? A resposta é simples: quem obtiver metade mais um dos votos válidos, ou seja, sem contar brancos e nulos. Como descobri? Fácil: basta ler o parágrafo 2º do artigo 77 da Constituição:
Será considerado eleito presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.
Ou seja, somam-se os votos de todos os candidatos e, se um deles obtiver mais da metade, está eleito. Daí a estratégia dos candidatos menos fortes de se unirem no ataque ao líder das pesquisas, fazendo uma certa aliança, esperando que todos juntos consigam suplantar o primeiro, levando a eleição para segundo turno, conforme o parágrafo 3º desse mesmo artigo:
Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição em até vinte dias após a proclamação do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos.
É uma aliança frágil, claro, pois só o segundo colocado vai para o segundo turno, e uma posição menos adversa talvez renda algum favor do vencedor... No segundo turno, todavia, é briga de foice, sem quartel.

Esse raciocínio também vale para as eleições para governadores e prefeitos, inclusive de municípios com menos de duzentos mil eleitores (Ac.-TSE, de 28.5.2013, no REspe nº 31696).

Se todos desejarem votar em branco, nenhum problema, meu voto solitário reelegerá a presidente...

Quanto às eleições proporcionais, para deputados federais, deputados estaduais e vereadores, os votos em branco e nulos também não contam, conforme o artigo 5º da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997:
Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias.
Muito antigamente, ainda sob o tacão da ditadura de 64, dizia-se que os votos em branco eram atribuídos ao partido majoritário, na época a Arena, que depois virou PFL e agora se travestiu de DEM, não democratas, como querem se apresentar, mas demonios... Não verifiquei se a afirmação procede ou não.

Recentemente, todavia, os votos em branco eram considerados válidos, e por isso eram contados no cálculo do coeficiente eleitoral, que serve como barreira para os partidos menores. Um voto em branco, se dado por desalento com os partidos atuais, servia como elemento dificultador da entrada de novos partidos no cenário político.

Hoje, não, os votos em branco não são válidos e não servem para nada. Quanto aos nulos, aqueles que o próprio eleitor anulou, também não servem para coisa alguma. Uma eleição só é anulada se a vontade do conjunto dos eleitores for comprometida, o que fica para ser explicado em outra postagem.

O voto em branco - assim como o nulo - é apenas uma recusa do cidadão em escolher um candidato, uma espécie de cheque em branco para o restante da população, que imagino esse cidadão considere mais capaz do que ele para decidir os destinos de sua cidade, estado ou país.