quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Do que não ler

Paulo Werneck
Fritz: O Pequeno Jornaleiro
Fonte: www.almanaquebrasil.com.br

Há muito venho reduzindo a leitura de jornais e revistas, não ouço rádio nem vejo TV, o que me mantém afastado da imprensa falada ou televisada. Motivos vários, desde o cansaço com a falta de interesse das matérias que versam sobre pessoas, frequentemente com quase nenhuma expressão, à falta de qualidade das notícias sérias, escritas com pouco cuidado, quando não inventadas ou deturpadas para prejudicar alguns e beneciar outros.

Apesar de ser apaixonado pela atriz Julia Roberts, não me interessa a mínima onde passou as férias ou com quem está saindo. Não sou íntimo dela nem fofoqueiro. Vejo os filmes em que atua, o que cria essa uma ligação sutil entre nós, relação que também existe entre leitor e escritor, mesmo falecido.

Às vezes é interessante conhecer a história de um autor, cineasta, compositor, músico, pintor, para melhor entender a obra, o que pouco ou nada tem a ver com invasão de privacidade, até desejada por alguns.

Se não me interessa a vida particular da estrela de "Uma Linda Mulher", de "Erin Brockovich", menos ainda interessa o que estão fazendo os bigs brothers Brazil, vazios vistos nos mais insuspeitos lares.

A parte noticiosa pretensamente séria também carece de densidade. Numa semana critica-se a falta de médicos, e na semana seguinte o inchamento do estado pela contratação de mais médicos. Os jornalistas se indignam pelo salário médio no setor público ser superior ao do setor privado mas nunca se lembram que o setor público terceiriza as funções mais simples (recepção, limpeza, segurança, manutenção), o que pode explicar essa diferença. Mas não se espere alguma profundidade de análise na imprensa brasileira, salvo nas exceções que confirmam a regra.

Com o tempo assim tornado disponível tenho lido clássicos da literatura e me surpreendi ao verificar que Swann, personagem de Proust, pensava de forma similar:
“O que censuro nos jornais é o fato de nos obrigar a prestar atenção, todos os dias, em coisas insignificantes, ao passo que lemos três ou quatro vezes na vida os livros em que há coisas essenciais. Uma vez que rasgamos febrilmente, todas as manhãs, a faixa que envolve o jornal, então as coisas deviam ser mudadas e pôr no jornal, por exemplo, as Pensées de Pascal (aentuou o título com ênfase irônica para não dar impressão de pedantismo). E no volume de corte dourado, que só abrimos uma vez a cada dez ano", acrescentou, testemunhando pelas coisas mundanas esse desdém que certas pessoas da sociedade afetam, "é que leríamos que a rainha da Grécia foi a Cannes ou a princesa de Léon deu um baile à fantasia. Assim, estaria restabelecida a proporção justa.”

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Caçadas a Lobato

Paulo Werneck

Outro dia caiu-me literalmente às mãos um pequeno conto de Monteiro Lobato, recentemente alvo da acusação - anacrônica? - de racista. O título provocativo levou-me a lê-lo imediatamente. Trago-o como modesta contribuição ao debate.

Negrinha

Monteiro Lobato

Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados.

Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.

Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo.

Ótima, a dona Inácia.

Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava logo nervosa:

— Quem é a peste que está chorando aí?

Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero.

— Cale a boca, diabo!

No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer...

Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.

— Sentadinha aí, e bico, hein?

Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas.

— Braços cruzados, já, diabo!

Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E o relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se então por dentro, feliz um instante.

Puseram-na depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim.

Que idéia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a bubônica. A epidemia andava na berra, como a grande novidade, e Negrinha viu-se logo apelidada assim — por sinal que achou linda a palavra. Perceberam-no e suprimiram-na da lista. Estava escrito que não teria um gostinho só na vida — nem esse de personalizar a peste...

O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta...

A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! “Qualquer coisinha”: uma mucama assada ao forno porque se engraçou dela o senhor; uma novena de relho porque disse: “Como é ruim, a sinhá!”...

O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:

— Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...

Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a duas mãos, o sacudido. A gama inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta da unha, à torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões a uma — divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para “doer fino” nada melhor!

Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. Foi assim com aquela história do ovo quente.

Não sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a revolta — atirou-lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os dias.

— “Peste?” Espere aí! Você vai ver quem é peste — e foi contar o caso à patroa.

Dona Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-se.

— Eu curo ela! — disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual perua choca, a rufar as saias.

— Traga um ovo. Veio o ovo. Dona Inácia mesmo pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta, gozando-se na prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes envolviam a mísera criança que, encolhidinha a um canto, aguardava trêmula alguma coisa de nunca visto. Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou:

— Venha cá!

Negrinha aproximou-se.

— Abra a boca!

Negrinha abriu a boca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher, tirou da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente, pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois:

— Diga nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste?

E a virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário que chegava.

— Ah, monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã, filha da Cesária — mas que trabalheira me dá!

— A caridade é a mais bela das virtudes cristas, minha senhora —murmurou o padre.

— Sim, mas cansa...

— Quem dá aos pobres empresta a Deus.

A boa senhora suspirou resignadamente.

— Inda é o que vale...

Certo dezembro vieram passar as férias comSanta Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.

Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o raio dum castigo tremendo.

Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos.

Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: “Já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga”?

Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral —sofrimento novo que se vinha acrescer aos já conhecidos — a triste criança encorujou-se no cantinho de sempre.

— Quem é, titia? — perguntou uma das meninas, curiosa.

— Quem há de ser? — disse a tia, num suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não me corrijo, vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem, filhinhas, a casa é grande, brinquem por aí afora.

Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! — refletiu com suas lágrimas, no canto, a dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco.

Chegaram as malas e logo:

— Meus brinquedos! — reclamaram as duas meninas.

Uma criada abriu-as e tirou os brinquedos.

Que maravilha! Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa assim tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que falava “mamã”... que dormia...

Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.

— É feita?... — perguntou, extasiada.

E dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a providenciar sobre a arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão, o ovo quente, tudo, e aproximou-se da criatura de louça. Olhou-a com assombrado encanto, sem jeito, sem ânimo de pegá-la.

As meninas admiraram-se daquilo.

— Nunca viu boneca?

— Boneca? — repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca?

Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade.

— Como é boba! — disseram. — E você como se chama?

— Negrinha.

As meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca:

— Pegue!

Negrinha olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. Fora de si, literalmente.. . era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.

Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se.

Ao percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos.

Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:

— Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?

Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.

Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...

Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.

Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!

Assim foi — e essa consciência a matou.

Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa voltou ao ramerrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente transformada.

Dona Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de coração, amenizava-lhe a vida.

Negrinha, não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a expressão de susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos, cismarentos.

Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso inferno, envenenara-a.

Brincara ao sol, no jardim. Brincara!... Acalentara, dias seguidos, a linda boneca loura, tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma.

Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos... E bonecas e anjos remoinhavam-lhe em torno, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada por aquelas mãozinhas de louça — abraçada, rodopiada.

Veio a tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe apareceu de boca aberta.

Mas, imóvel, sem rufar as asas.

Foi-se apagando. O vermelho da goela desmaiou...

E tudo se esvaiu em trevas.

Depois, vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira — uma miséria, trinta quilos mal pesados...

E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das meninas ricas.

— “Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?”

Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia.

— “Como era boa para um cocre!...”

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sem poder de voto

Paulo Werneck
Saruman com o Palantir
Fonte: http://www.tolkienforums.com/

Domingo votei pela manhã e à noite fui ao Leme acompanhar a apuração num telão montado pelo Partido dos Trabalhadores. Fiquei contente com o resultado, minha candidata sagrou-se a primeira presidenta do Brasil. Além disso foi a sexta eleição democrática consecutiva neste país, o que não é pouca coisa, motivo de sobra para comemorar em alto estilo.

Lembrei-me do Shirley, um simpático restaurante espanhol de frutos do mar, ali pertinho, na rua Gustavo Sampaio, 610. A casa é simples, mas serve bem.

Fomos para lá, eu e a sra. S., armados de bandeiras, colantes e muita fome.

De entrada, mariscos marinados e lulas empanadas. Os mariscos estavam ótimos, as lulas apenas corretas, se tanto. Pedimos lagosta, não havia. A sra. S. acabou comendo uma truta ao vapor, muito gordinha, muito macia, excelente.

Entretanto havia um televisor ligado, imagens sem sentido distraindo a nossa atenção. Ninguém nele prestava atenção. Pedi que fosse desligado, impossível.

Posso votar para presidente, mas não posso optar por jantar sem ver televisão. Melhor dizendo, posso. Embora esteja cada vez mais difícil escapar da máquina de fazer doido, há estabelecimentos que não aderiram à esse pseudo serviço. Não lá voltarei. É pena, pois gostava do lugar.

domingo, 22 de agosto de 2010

Votos e Eleições

Paulo Werneck
Comício pelas Diretas na Candelária (RJ)
... em Porto Alegre...
... e até em São Paulo!

Voltaram as eleições, graças à democracia que temos a sorte de desfrutar, fruto de muita luta, mar  persiste, as desinformações tronitroantes, algumas defendendo o voto nulo como panacéia para moralizar a política. Não sei como poder-se-ia moralizar algo a partir de informações equivocadas...

Em tempos de internet, informação correta é facilmente encontrável, e a Câmara de Deputados preparou uma coletânea atualizada da Legislação Eleitoral, que utilizo aqui.

Os votos e sua contagem

O eleitor pode votar de modo válido (em um candidato, na legenda de um partido, ou em branco), ou anular o voto.

As eleições são proporcionais (deputados e vereadores) ou majoritárias (senadores, presidente, governadores e prefeitos).

Nas eleições proporcionais desprezam-se os votos nulos e somam-se os válidos (incluindo os em branco). Divide-se esse total pela quantidade de vagas e obtem-se o "quociente eleitoral" (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, artigo 106). Os partidos ou coligações que obtiverem menos votos que esse quociente estão fora. Os demais receberão tantas cadeiras quantos vezes obtiverem o dito quociente, e as demais serão distribuídas uma a uma para o partido que possuir maior média do total de votos obtido dividido pela quantidade de cadeiras já obtida.

Nas eleições majoritárias para presidente, governadores e prefeitos de municípios com mais de duzentos mil eleitores, são eleitos em primeiro turno os candidatos que obtiverem mais da metade dos votos válidos, não computados os votos em branco, caso contrário os dois mais votados disputam nova eleição (segundo turno) e são eleitos os candidatos que obtiverem mais votos (Constituição Federal, artigos 29, 32 e 77).

Os senadores e prefeitos de municípios com até duzentos mil eleitores são eleitos em turno único, vencendo o que obtiver mais votos.

Efeitos dos votos nulos e em branco

Os votos nulos não tem qualquer efeito, salvo deixar a decisão para os demais, talvez mais capazes de escolher nossos governantes...

O voto em branco, nas eleições proporcionais, aumenta o quociente eleitoral, diminuindo a possibilidade de partidos menores obterem pelo menos uma cadeira, ou seja, reforçam os partidos mais fortes. Nas majoritárias, seu efeito é o mesmo do voto nulo, nenhum.

Anulação de eleições

No caso da Justiça Eleitoral anular votos, devido a problemas que tenham ocorrido nas eleições - violação de urnas, voto de eleitores fantasmas, e que tais - ocorre uma situação que poderá ensejar nova apuração, local ou geral, mormente quando a quantidade de votos anulados pode alterar o resultado da eleição. Isso porque a intenção do eleitor foi prejudicada, o que nada tem a ver com o próprio eleitor anular seu próprio voto.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A Arte da Palmada

Paulo Werneck
Jean Baptiste Debret: Palmatória

O projeto de lei nº 7672/2010, que está em discussão no Congresso Nacional, poderá vir a penalizar pais e mães que, procurando educar seus pimpolhos, lhes apliquem umas palmadas ou mesmo os ponham de castigo, como punição para algum mal feito.

Há risco de que venha a ser aprovado, com consequências danosas para a sociedade brasileira: criaremos jovens sem limites, que acabarão encontrando-os de forma mais severa, sob a forma de estadias em presídios, por exemplo.

Os defensores do projeto parecem ter lido "A Arte de Ter Razão", de Arthur Schopenhauer (Ed. Martins Fontes) mas não lhe entenderam o significado mais profundo. Tão somente se apropriaram pragmaticamente das regras apresentadas...

Vejamos o teor do projeto:
Art. 17-A. A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I - castigo corporal: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.

II - tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente.

Bem, algum leitor é a favor de que os jovens sejam espancados? Certamente não. Defenda-se o projeto. Mas uma palmada, dada com a mão nua, está classificada como castigo corporal (e é), sem qualquer diferenciação.

Algum leitor é contra um pai mostrar à criança o ridículo de certos comportamentos ou demandas que ela faça? Isso será considerado tratamento cruel ou degradante...

Se uma criança de seis anos resolver maltratar o irmãozinho de quatro e o amável leitor lhe der uma palmada, estará incurso no inciso I; se, alternativamente a puser de castigo, vai para o inciso II, pois humilhou-a (porque ela não pode brincar como as outras?). Pior, se sair do castigo, o que o poderá fazer?

Com tanta criança abandonada nas ruas, com a indigência dos locais destinados a crianças abandonadas e menores infratores, com o sistema educacional falido como está, esse projeto de lei e sua defesa parece-me hipocrisia.

Observe-se que violência e outras figuras já estão devidamente previstas no código penal, e as penas são agravadas quando o agressor tiver a vítima sob sua guarda.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Beatriz e Raul

Paulo Werneck
Henry Holiday (1839 – 1927): Dante e Beatrice
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Dante_and_beatrice.jpg

Minha avó Ottília era pensionista do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC) e minha mãe lhe servia como procuradora, para resgatar a minguada pensão. Não o fazia todos os meses, pois nem valia a pena, mas de tanto em tanto tempo lá ia ela enfrentar os barnabés do Instituto, para receber uma tantas mensalidades.

Evidentemente, não indo a própria pessoalmente, era necessário fazer prova de que a pensionista estava ainda neste mundo, o que era feito por meio de um "atestado de vida". Não sei como era obtido, mas certamente era mais simples que receber os proventos.

De certa feita minha mãe demorou realmente muito tempo para se apresentar no IAPC. Foi receber mais de um ano de pagamentos e levou consigo, é claro, atestado de vida recém obtido, mas não foi suficiente, pois o funcionário, cioso de suas responsabilidades e das inúmeras armações inventadas pelos beneficiários para obter benefícios ilegais, exigiu também o atestado anterior, que deveria ter sido emitido no semestre anterior.

Não posso lhe tirar a razão, pois afinal minha avó poderia ter morrido e ressuscitado, cobrando atrasados indevidos, ou ter feito como Dante e passado um tempo no céu e no inferno, não buscando a amada Beatriz, mas meu avô Raul.

Não foi o caso, no entanto. Apenas tinha ido ao sul visitar a família e lá se demorado...

sábado, 17 de julho de 2010

Marketing Mal-educado

Paulo Werneck

Não sei quem foi o gênio da propaganda que resolveu se aproximar do consumidor, tornar-se íntimo dele, dirigindo-se a ele pelo primeiro nome. Acho que é um total desatino e falta de educação, inclusive porque o destinatário da carta, se resolver falar com o missivista, encontrará uma série de barreiras, pois afinal de contas o remetente é o doutor fulano, diretor disso ou daquilo.

Além disso, quando se trata de consumidor com nome composto, por exemplo, Maria da Graça, ou Pedro Henrique, o computador o trata pelo primeiro, Maria ou Pedro, enquanto na vida real eles muitas vezes só usam o segundo, Graça ou Henrique...

Cartas assim, arquivo-as imediatamente na lata do lixo. A da foto demorou um pouco, mas seguiu para o mesmo destino...

domingo, 16 de maio de 2010

Bombardeio da TAM

Paulo Werneck
Glóvis Graciano: Bombardeio, 1943
Acervo: Pinacoteca do Estado (São Paulo, SP)

< A TAM, do saudoso comandante Rolim, que deve estar se revirando no túmulo, ele que distribuía sorrisos e cortesias para os passageiros, resolveu aterrorizar os moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro.

Para comemorar algum contrato que lhe trará mais $$$, patrocinou festa no Morro da Urca, com queima de fogos na enseada de Botafogo, de madrugada - Lei do Silêncio, bobagem - que acordou vários bairros - Botafogo, Urca, Flamengo, Catete, Glória - com pelo menos quinze minutos de estrondos que mai pareciam tiros de canhão, com direito a trepidação do prédio.

Segundo notícia do Jornal do Brasil, que está voltando a ser o jornal que já foi, teve gente a sair para a rua ainda de pijama e mães a levar filhos para lugares que consideraram mais seguro.

Eu não me preocupei. Moro em prédio antigo, construído na II Guerra, preparado para bombardeios. Nele não se fez economia com cimento. Além do mais, os barulho me parecia aquele que seria produzido por poderosas baterias antiaéreas, as quais estariam vencendo o inimigo, já que não ouvia bombas caindo...

Mortos e feridos salvaram-se todos, principalmente as concorrentes: ganharam um ponto a seu favor. Só embarcarei na TAM por falta total de alternativas, pois retribuirei o pouco apreço que ela demonstrou pelo moradores e pela lei simplesmente fechando minha carteira.

De positivo - será? - com esse barulhão voltei a escrever no blog.

Espero que Prefeitura e Ministério Público tomem as providências cabíveis.