domingo, 27 de março de 2016

Análise Jurídica do Pedido de Impedimento da Presidente da República

Paulo Werneck

Fonte da Justiça (deusa romana) em Frankfurt
Fonte: Wikipedia

Muito se fala sobre a desejabilidade e a possibilidade de impedimento da Presidente da República. Todavia pouco se fala dos fatos que poderiam ensejar tal impedimento. Este artigo procura analisar se os fatos imputados à Presidente são passíveis de embasar tal punição.Inicialmente há que considerar o que está determinado pela Constituição Federal, a lei maior.

O impedimento será a consequência da condenação por cometimento do crime de responsabilidade, conforme o artigo 86.

O crime de responsabilidade está previsto no artigo 85:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Todavia seu parágrafo único estabelece que a definição desses crimes fica a cargo de lei especial, no caso a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, observando-se que, conforme o parágrafo 4º do artigo 86, o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

Da leitura dos dois artigos, portanto, fica claro que acusações à Presidente tendo como base eventuais decisões que tenha tomado referente à aquisições feitas pela Petrobras, por mais injustas que possam ter sido, se efetivamente o foram, não podem jamais ser consideradas como crimes de responsabilidade, não apenas porque teriam sido tomadas como membro do Conselho Diretor da Petrobrás, mas também porque não foram tomadas no exercício do seu mandato.

Resta agora verificar se existe alguma ação ou omissão da Presidente que possa caracterizar crime de responsabilidade, ou seja, se descrita na Lei nº 1.059/1950.

Antes porém cumpre ressaltar que a Constituição estabelece, como cláusula pétrea, que não há crime sem lei anterior que o defina (artigo 5º, inciso XXXIX). Assim, o comportamento dito como criminoso tem que estar especificado claramente na referida Lei nº 1.059/1950, que não pode ser ampliada para atender aos desejos de quem quer que seja.

As definições constam dos artigos 5º a 10 e 12. O artigo 11 refere-se a “crime contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos”, não mais capitulado como crime de responsabilidade pela atual Constituição, posterior a essa lei, e portanto não foi recepcionado pela Constituição de 1988, ou seja, não tem validade.

Quando à denúncia ofertada contra a Presidente da República, o cerne da acusação reside no parágrafo:
Os ora denunciantes, por óbvio, prefeririam que a Presidente da República tivesse condições de levar seu mandato a termo. No entanto, a situação se revela tão drástica e o comportamento da Chefe da nação se revela tão inadmissível, que alternativa não resta além de pedir a esta Câmara dos Deputados que autorize seja ela processada pelos crimes de responsabilidade previstos no artigo 85, incisos V, VI e VII, da Constituição Federal; nos artigos 4º., incisos V e VI; 9º. números 3 e 7; 10 números 6, 7, 8 e 9; e 11, número 3, da Lei 1.079/1950.
Daí se depreende que ela está sendo acusada de crimes contra a probidade na administração; a lei orçamentária; e o o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Examinemos um por um.
não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição (Lei 1.079, art. 9º, 3).
A Presidente é efetivamente responsável tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, mas apenas quando MANIFESTA a prática dos delitos.

Todos os servidores públicos da administração direta são indiretamente subordinados à Presidente da República, assim como ocorre nas empresas privadas, mas não pode o titular do cargo mais elevado acompanhar as ações de todos os servidores ou funcionários, havendo para isso uma estrutura hierárquica, com uma cadeia de chefia e subordinação, cada chefe responsável pelo controle das ações dos seus subordinados imediatos. Além disso as organizações recorrem a corregedorias, apoiadas por ouvidorias, com o duplo fim de permitir que as críticas sejam ouvidas e as ações delituosas punidas.

Carece a representação de indicar que condutas manifestas não foram responsabilizadas pela Presidente.
proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo (Lei 1.079, art. 9º, 7);
Nenhum caso foi elencado, salvo considerarem os autores da denúncia que o cometimento de outro crime tem o condão de tornar o agente também responsável por este.
ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal (Lei 1.079, art. 10, 6);

deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei (Lei 1.079, art. 10, 7);

deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro (Lei 1.079, art. 10, 8);

ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente (Lei 1.079, art. 10, 9)
Este conjunto de artigos foram invocados tendo como pressuposto que certas operações foram criminosas, por não previstas previamente no Orçamento, sem atentar para o fato que todas foram aceitos pelo Congresso Nacional, pela edição de leis orçamentárias que os tornaram legais, mesmo que eventualmente quando da autorização inicial estivessem não previstos pela legislação.
Não tenho conhecimento de Contabilidade nem de Finanças para adentrar uma discussão técnica sobre a caracterização de cada operação quanto à legalidade. Entretanto, mesmo que efetivamente tenham sido ilegais, deixaram de o ser por posteriores leis aprovadas pelo Congresso Nacional.

É basilar que legislação posterior é aplicada a fatos anteriores sempre que isso resulta em benefício para o réu. Não há como caracterizar como criminosas operações que se antes o fossem, lei posterior as tornou legais.

É o que está expresso no artigo 2º do Código Penal: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal (Lei 1.079, art. 11, 3).
Conforme já explicado acima, o artigo 11 não foi recepcionado pela Constituição Federal, eis que o artigo 85 não prevêr crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos.

Por óbvio, critérios como popularidade, pesquisas de opinião e que tais devem ser utilizados, sim, mas pelo eleitor quando for convocado às eleições. Tentar fazer apear da Presidência da República o seu ocupante eleito pela população por motivos falaciosos e interpretações fluidas é apenas GOLPE.

Fontes:

Constituição Federal:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1079.htm
Código Penal:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm
Íntegra da Denúncia:
http://www.zerohora.com.br/pdf/17802008.pdf