domingo, 2 de janeiro de 2011

O Olho de Thundera

Paulo Werneck

Carrasco e rei discutem sobre cortar a cabeça do gato de Cheschire
Aventuras de Alice no País das Maravilhas (1865)
Lewis Carrol
Fonte: www.fromoldbooks.org

Tudo começou com um gato estressado e perdido num corredor de um edifício de apartamentos, sem comida e sem carinho, na véspera do ano novo. Estava agressivo - pudera - e precisava ser levado para algum outro lugar. As tentativas amadoras não estavam surtindo efeito, o gato ficando ainda mais estressado e agressivo. Alguém, ou o gato, acabaria ficando machucado.

Ligo para 156, teleatendimento da Prefeitura de São Paulo, a mais rica e poderosa cidade do Brasil. Uma simpática voz feminina atende, mas nada pode fazer. A prefeitura só remove animais que estejam na rua ou tenham causado ferimentos comprovados. Quem poderia resolver o problema? Não sabe. O telefone dos bombeiros? Também não sabe. Não é a função dela. Pergunto o que fará se a sala de teleatendimento da prefeitura pegar fogo. Também não sabe, óbvio.

No telefone público está registrado o telefone dos bombeiros - 193 - o mesmo em todo o Brasil. A voz masculina que atende é igualmente atenciosa, os bombeiros também não podem ajudar nessa questão, mas indica  outro telefone que poderá ajudar. Não foi preciso, pois ao voltar ao prédio uma faxineira com jeito e um cobertor conseguiu levar o gato para o jardim, de onde ele seguiu seu destino. Um belo gato negro.

Recordo o Olho de Thundera, com visão além do alcance e fico triste ao constatar quantas pessoas se limitam ao estritamente obrigatório. Num mundo em que as fronteiras estão desaparecendo, se autorestringem ao mínimo, à previsível novela, à vidinha medíocre, abandonando qualquer pretensão de ampliação de seus horizontes culturais e, por tabela, profissionais. Tão triste, nas vésperas de um ano que se abre pleno de desafios e oportunidades.